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As assustadoras histórias de mamãe ouvidas na infância e os reflexos dos tempos


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Pequeno, girando em torno dos meus seis a dez anos, morávamos num casarão histórico, janelas de guilhotina e portas imensas no Araranguá. Suas dependências, todas elas, da cozinha à sala e quartos eram enormes. Pra cima e pra baixo. Na vertical e na horizontal. O pé direito tinha uns quatro metros. Naqueles tempos a energia elétrica só funcionava direto até sete da noite, quando a Força e Luz encerrava a geração para manutenção dos motores.

Só retornava duas ou três horas depois. No meio do tempo, as velas ou as lamparinas a querosene funcionavam. Acesas aqui e ali ou transportadas de uma dependência para outra, quando se tinha de fazer algo.


Naquele tempo, só por detalhe, necessidades fisiológicas eram nas chamadas patentes externas, ou privadas, mas só de dia. Normalmente ficavam distantes da casa. À noite, quando necessário ou a vontade apertava, os urinóis ou penicos funcionavam. Depois, jogar fora no outro dia. Ou, no aperto, na mesma hora, no "pós uso".


Pois naqueles tempos, saudosos sempre, Dona Amarfilina, minha venerável mãe, e Tia Carolina, sua irmã e acompanhante na casa e nos afazeres domésticos - era mestra em crochê e excelente lavadora de roupas "no braço" - antes de dormir desfiavam estórias horrendas de fantasmas e assombrações. Eu escutava, pois dormia no mesmo quarto, olhos esbugalhados e assustadíssimo. Falavam de procissões de que participavam pessoas mortas, de fantasmas que puxavam nossa perna ao deitar, pois ficavam debaixo da cama - o que me fazia dar uma bela olhada por lá pra conferir, como se isso resolvesse.

A elas, de vez em quando, se juntava a mana Icleia, que costumava ouvir semanalmente na rádio Tupi do Rio de Janeiro, à meia noite, o programa "Incrível, Fantástico, Extraordinário".

(Originalmente, era um programa radiofônico da rádio Tupi, criado em 1947 pelo cantor, compositor e radialista brasileiro Henrique Fôreis Domingues, mais conhecido como Almirante, "a mais alta patente do rádio nacional". O programa trazia relatos e histórias sobrenaturais contados por ouvintes de todo o Brasil, que enviavam cartas contando suas histórias, que eram então encenadas pelos atores da rádio, com efeitos sonoros e música feita pela orquestra da Tupi)

Neste programa, como mostra o destaque, só contavam estórias arrepiantes. Eu achava de extremo mau gosto, mas não conseguia dormir antes. Depois custava a pegar no sono.


Mamãe tinha profunda fé religiosa, de tal modo que frequentava missas diariamente, seis da manhã. Fez isso quase a vida inteira. Nos dias de finados e de procissões da Padroeira da cidade, Nossa Senhora Mãe dos Homens, me encaixotava debaixo dos braços e me levava a assistir as missas e a acompanhar as profissões. E também fazia isso nos dias de Finados, 2 de novembro. Sempre foi quase a primeira a chegar, na quase madrugada, com flores e velas no cemitério para homenagear os parentes mortos. Numa dessas coincidências da vida, ela faleceu justamente numa véspera do dia: 1 de novembro de 1980. E foi sepultada no dia dos Finados.


Mamãe me traz paz, no entanto, boa alma que é e sempre foi. A filha Janaína, no meu aniversário deste ano, inclusive, teve a inspiração de me presentear com um escapulário com a foto dela e um chaveiro com a foto do meu pai, Telésforo, gravadas a laser. Eterna e preciosa lembrança.


A paz esteja conosco. Amém.

 
 
 

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